O importante é levar vantagem em tudo, certo?

Coitado do Gérson! Gérson, para quem não sabe, foi um grande jogador de futebol nas décadas de 60 e 70. Participou do time que ganhou o tricampeonato no México em 1970. Alguns anos depois, como era (não sei se ainda é) um famoso e inveterado fumante, participou de um comercial de cigarros de marca Vila Rica. Neste comercial, ele disse a frase que ficou famosa como a Lei de Gérson: O importante é levar vantagem em tudo, certo?

Esta frase resumia (e talvez ainda resuma) o pensamento de uma boa parte dos brasileiros, ou seja, egoísta, capaz de qualquer coisa para levar vantagem, mesmo que seja imoral ou ilegal. Nada disso importa, o que importa é se dar bem.

No final de Janeiro, tive acesso à uma matéria que informava que a Cerveja Rio Carioca havia sido condenada a pagar R$ 50.000,00 de indenização à Cervejaria Itaipava por danos morais. Achei a notícia interessante e fui ver o motivo da indenização. Segue o motivo abaixo:

Quando vi o tal anúncio, a primeira coisa que me passou pela cabeça foi: Será que a Rio Carioca não tem um advogado para aprovar o anúncio antes dele sair? E se existe, será que ele aprovou isso? Não é possível que a pessoa que aprovou tal anúncio não tenha percebido que ele denegria a imagem da Itaipava. Ou será que ele pensou: – É isso aí, vamos falar umas “verdades” que nada acontece com a gente mesmo?!

Não vou entrar no mérito se a cerveja A é melhor do que a B, ou que a C. Sei que a Itaipava vende. E muito. Por isso, não pode ser de todo ruim. Provavelmente, é uma questão de gosto. Mas, precisava de posicionar desse jeito?

Vamos entender algumas coisas:

1. No Código Civil Brasileiro, em seu artigo 186, temos:

“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

2. No mesmo Código, no artigo 27:

“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Ou seja, já sabemos que o anúncio denegria a imagem da cerveja, e, portanto, causava um dano moral à empresa. E que, neste caso, havia necessidade de repará-lo através de uma indenização. Quando você pode usar a marca do concorrente em uma anúncio da sua empresa? Na minha visão, em apenas uma única possibilidade, no caso de uma propaganda comparativa. Na verdade, talvez tenha sido está a intenção da Cerveja Rio Carioca, falar que ela era melhor do que a Itaipava. Mas, mais uma vez, cadê o advogado de plantão?

Propaganda comparativa tem regras claras, e consta, inclusive do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. Vejamos o artigo 32:

“Artigo 32

Tendo em vista as modernas tendências mundiais – e atendidas as normas pertinentes do Código da Propriedade Industrial, a publicidade comparativa será aceita, contanto que respeite os seguintes princípios e limites:

  • seu objetivo maior seja o esclarecimento, se não mesmo a defesa do consumidor;
  • tenha por princípio básico a objetividade na comparação, posto que dados subjetivos, de fundo psicológico ou emocional, não constituem uma base válida de comparação perante o Consumidor;
  •  a comparação alegada ou realizada seja passível de comprovação;
  •  em se tratando de bens de consumo a comparação seja feita com modelos fabricados no mesmo ano, sendo condenável o confronto entre produtos de épocas diferentes, a menos que se trate de referência para demonstrar evolução, o que, nesse caso, deve ser caracterizado;
  • não se estabeleça confusão entre produtos e marcas concorrentes;
  • não se caracterize concorrência desleal, denegrimento à imagem do produto ou à marca de outra empresa;
  • não se utilize injustificadamente a imagem corporativa ou o prestígio de terceiros;
  • quando se fizer uma comparação entre produtos cujo preço não é de igual nível, tal circunstância deve ser claramente indicada pelo anúncio.;”

Bastava ter lido o artigo acima para parar com tudo e pensar em um novo anúncio. A utilização da marca da concorrente fora dos parâmetros acima, é um ato de concorrência desleal. É crime contra registro de marca também! Vamos ver o que temos na Lei da Propriedade Industrial:

“Art. 189. Comete crime contra registro de marca quem:

I – reproduz, sem autorização do titular, no todo ou em parte, marca registrada, ou imita-a de modo que possa induzir confusão; ou

II – altera marca registrada de outrem já aposta em produto colocado no mercado.

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.”

“Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem:

I – publica, por qualquer meio, falsa afirmação, em detrimento de concorrente, com o fim de obter vantagem;

II – presta ou divulga, acerca de concorrente, falsa informação, com o fim de obter vantagem;

III – emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem;

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.”

Ou seja, se você acha muito bacaninha falar mal do seu concorrente, guarde isso para você. Para colocar algo neste sentido na mídia, tome muito cuidado. Não ache que você pode tudo. Não pode. Não tem como levar vantagem em tudo, certo? Seria muito bom se o advogado fosse consultado antes de colocar bobagens no ar. Conheço várias empresas que tomam este cuidado. Mas, pelo jeito, ainda temos várias que se esquecem.

Comentários e sugestões escreva aqui nos comentários ou mande cartas para a redação –  mauricio.tavares@lext.com.br

Abraços e até a próxima.

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